Vivemos em uma era em que a tecnologia está presente em praticamente todos os aspectos da vida cotidiana. Desde muito cedo, as crianças são expostas a telas, dispositivos eletrônicos e conteúdos digitais. Embora a tecnologia traga benefícios inegáveis como acesso à informação, estímulo à criatividade e facilidades educacionais, seu uso excessivo ou inadequado pode interferir diretamente no desenvolvimento cerebral infantil.
Como neuropediatra, observo frequentemente os efeitos das telas sobre o comportamento, o sono, a atenção e a aprendizagem dos pacientes. E também alerto os pais sobre a importância de restringir o acesso aos eletrônicos. Este artigo busca esclarecer como a tecnologia afeta o cérebro das crianças, os riscos envolvidos no uso exagerado e como garantir um uso mais saudável e equilibrado.
O cérebro em desenvolvimento e a exposição às telas
O cérebro da criança está em constante transformação. Nos primeiros anos de vida, ocorrem processos intensos de neuroplasticidade, a capacidade do cérebro de criar, reforçar ou podar conexões neurais conforme as experiências vividas. É justamente nesse período que os estímulos do ambiente têm maior impacto sobre o desenvolvimento neurológico, emocional e social.
Quando a tecnologia ocupa um espaço desproporcional na vida da criança, substituindo interações humanas, brincadeiras físicas e experiências sensoriais reais, o cérebro pode deixar de desenvolver áreas essenciais de forma plena, como:
- Atenção e concentração;
- Controle inibitório e autorregulação emocional;
- Habilidades motoras finas e grossas;
- Linguagem e comunicação;
- Empatia e leitura emocional.
Principais impactos do uso excessivo de tecnologia nas crianças
1. Déficit de atenção e dificuldade de concentração
A exposição prolongada a estímulos rápidos e fragmentados, como vídeos curtos e jogos eletrônicos, pode afetar negativamente a capacidade da criança de manter o foco em atividades mais lentas e cognitivamente exigentes, como ler, escrever ou ouvir instruções.
2. Sono de má qualidade
O uso de telas à noite, especialmente celulares e tablets, interfere na produção de melatonina — hormônio responsável pela indução do sono. Isso prejudica o início e a qualidade do sono, gerando irritabilidade, dificuldade de aprendizado e problemas de comportamento durante o dia.
3. Atrasos na linguagem
Estudos mostram que crianças que passam muito tempo em frente às telas tendem a apresentar vocabulário mais limitado e menos interesse por interações verbais. O desenvolvimento da linguagem exige troca com outro ser humano, algo que nenhuma tela substitui.
4. Redução do movimento físico
A substituição do brincar ativo por tempo sentado diante de dispositivos contribui para o sedentarismo, que afeta o desenvolvimento motor, o equilíbrio emocional e até a imunidade da criança.
5. Prejuízos socioemocionais
A empatia, o autocontrole e a capacidade de lidar com frustrações são aprendidas nas relações humanas. Quando a criança vive imersa em ambientes digitais, pode apresentar maior impulsividade, dificuldade de esperar, menor tolerância à frustração e mais irritabilidade.
6. Risco de dependência digital
Jogos online, redes sociais e aplicativos são desenvolvidos para manter o usuário engajado por longos períodos. Em crianças, isso pode gerar comportamento compulsivo, ansiedade quando privadas da tecnologia e resistência ao contato com o mundo real.
Então a tecnologia é sempre ruim?
Não. A tecnologia, usada com equilíbrio, pode ser uma grande aliada no desenvolvimento infantil. Existem aplicativos educativos de qualidade, jogos que promovem raciocínio lógico e conteúdos que ampliam o repertório cultural. O segredo está no como, quando e quanto a tecnologia é usada.
Dicas práticas para um uso saudável da tecnologia
1. Estabeleça limites de tempo
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda:
- Menores de 2 anos: evitar completamente o uso de telas (com exceção de videochamadas com familiares);
- De 2 a 5 anos: no máximo 1 hora por dia, sempre com supervisão;
- De 6 a 10 anos: até 2 horas por dia, com regras claras e conteúdo apropriado;
- Adolescentes: tempo moderado, com equilíbrio entre estudos, atividades físicas, sono e convivência familiar.
2. Evite telas antes de dormir
Desconecte a criança das telas ao menos 1 hora antes de dormir. Crie uma rotina noturna tranquila, com leitura, música calma ou conversa.
3. Prefira conteúdos educativos e interativos
Escolha aplicativos e vídeos que incentivem a criatividade, a solução de problemas e o aprendizado ativo. Dê preferência a conteúdos sem propagandas, com linguagem apropriada para a idade.
4. Participe do uso
Sempre que possível, assista ou jogue com a criança. Isso permite orientar, fazer perguntas, incentivar o pensamento crítico e transformar a experiência em algo compartilhado.
5. Estimule o brincar livre e o contato com a natureza
Brincadeiras ao ar livre, jogos de faz de conta, esportes e experiências sensoriais reais são insubstituíveis para o desenvolvimento físico e emocional.
6. Dê o exemplo
As crianças aprendem mais pelo que veem do que pelo que ouvem. Se os adultos usam excessivamente o celular e têm pouco tempo de interação com os filhos, é provável que o mesmo padrão seja seguido.
7. Observe o comportamento da criança
Irritabilidade quando o uso é interrompido, isolamento, perda de interesse por outras atividades ou queda no rendimento escolar podem ser sinais de uso excessivo e indicam a necessidade de reavaliar os hábitos digitais.
Quando procurar ajuda?
Se você percebe que a tecnologia está prejudicando o sono, o comportamento, o humor, a socialização ou a aprendizagem do seu filho, é importante buscar orientação profissional. O neuropediatra pode ajudar a entender os impactos do uso digital e indicar estratégias personalizadas para cada caso.
A tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas como toda ferramenta, precisa ser usada com consciência e equilíbrio. No caso das crianças, o cérebro em formação precisa de experiências reais, interações humanas e tempo para desenvolver suas habilidades plenamente.
Cabe aos adultos orientar, limitar e oferecer alternativas saudáveis, promovendo um ambiente digital que respeite o ritmo natural do desenvolvimento infantil. Assim, a tecnologia pode deixar de ser uma vilã e se tornar uma aliada na jornada de crescimento das nossas crianças.
Com quem você pode contar para saber mais sobre este assunto?
A Dra. Cláudia Pechini é Neurologista Infantil e possui Título de Especialista em Neurologia Infantil pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e pela Associação Médica Brasileira (AMB). São anos de experiência nos cuidados com crianças e adolescentes a fim de garantir o pleno desenvolvimento de todas as suas habilidades.
Agende uma consulta para você ou seu pequeno e esclareça todas as suas dúvidas sobre o assunto!
Dra. Cláudia Pechini
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